Balanço do Oscar 2019: (quase) nada de novo sob o sol
Ao consagrar “Green Book” como Melhor Filme, Academia desperdiça chance de fazer da premiação um momento histórico
Nos últimos 90 anos, apenas dois longas-metragens haviam recebido o Oscar de Melhor Filme sem que tivessem sido indicados na categoria de Melhor Direção. O primeiro deles foi Conduzindo Miss Daisy (1989). E é irônico e, ao mesmo tempo, sintomático que, no último domingo (24/2), Green Book (2018) tenha sido eleito o mais novo membro desse seleto e controverso grupo, composto ainda pelo anódino Argo (2012).
Embora não seja exatamente uma surpresa, a vitória do filme de Peter Farrelly se revela como uma solução conservadora, na contramão do discurso de valorização da diversidade que vem tomando conta das últimas edições da premiação.
Ainda que a cerimônia deste ano tenha sido recordista em número de troféus concedidos a profissionais negros e mulheres — sete e quinze, respectivamente — , é inegável que a Academia optou pelo comodismo, deixando escapar chances preciosas de efetivamente fazer história.
A recusa em confirmar favoritismo de Roma (2018) ao principal prêmio da noite, por exemplo, não apenas impediu que, pela primeira vez, uma produção de língua estrangeira faturasse a estatueta de Melhor Filme, como também sinalizou a resistência — e o temor — de parte dos votantes em reconhecer a Netflix e o próprio streaming enquanto forças atualmente tão influentes na indústria quanto os próprios estúdios.
Ainda assim, o longa de Alfonso Cuarón não passou em branco e saiu laureado em três prestigiosas categorias: Melhor Direção, Melhor Fotografia e Melhor Filme Estrangeiro.
Com sua abordagem rasteira e apaziguadora da questão racial, Green Book faturou, para além do prêmio de Melhor Filme, as estatuetas de Melhor Roteiro Original e Melhor Ator Coadjuvante para Mahershala Ali.
Depois de atravessar a temporada de premiações praticamente imune às controvérsias que a cercavam, a comédia dramática manteve fôlego suficiente para desbancar tanto a popularidade de Pantera Negra (2018) quanto a contundência de Infiltrado na Klan (2018) e, de quebra, ainda despertar a indignação do vencedor do prêmio de Melhor Roteiro Adaptado, Spike Lee, que deu as costas para o palco durante os agradecimentos da equipe do filme, envolvida até o pescoço em polêmicas das mais cabeludas.
E por falar em polêmicas, Bohemian Rhapsody (2018) se confirmou como o grande premiado da noite, abocanhando quatro troféus não merecidos: Melhor Edição, Melhor Ator para Rami Malek e Melhores Edição e Mixagem de Som.
As vitórias da cinebiografia de Freddie Mercury não foram vistas com bons olhos pela imprensa, já que comprovaram que as acusações de abuso sexual contra o diretor Bryan Singer — devidamente omitido em todos os discursos — não tiveram qualquer efeito negativo sobre a campanha do filme.
Empatado com Roma e Green Book, Pantera Negra saiu vencedor de três estatuetas: Melhor Trilha Sonora, Melhor Figurino e Melhor Design de Produção.
As conquistas do longa de Ryan Coogler são reflexos do prestígio alcançado pela Marvel durante a temporada, que conduziu não apenas à inédita indicação de uma saga de super-heróis ao Oscar de Melhor Filme, mas também à vitória de Homem-Aranha no Aranhaverso na categoria de Melhor Animação.
A grande surpresa da noite ficou por conta da britânica Olivia Colman, que desbancou a recordista em indicações Glenn Close, ao faturar a estatueta de Melhor Atriz por sua interpretação da rainha Anne da Inglaterra, em A Favorita.
Já a categoria de Melhor Atriz Coadjuvante confirmou a predileção dos sindicatos e associações de classe e premiou Regina King por seu papel em Se a Rua Beale Falasse.
A cerimônia
Com cerca de 200 minutos de duração, a transmissão da cerimônia foi a mais curta dos últimos cinco anos e, consequentemente, a que mais se aproximou do limite de três horas desejado tanto pela Academia quanto pela rede de televisão ABC.
Se, por um lado, a ausência de um apresentador oficial agilizou a entrega das estatuetas — que eram concedidas aos vencedores quase que em ritmo de maratona –, por outro, a convocação de um elenco estelar de mestres de cerimônia — com nomes que iam de Barbra Streisand a Jason Momoa, passando por Jennifer Lopez e Keegan-Michael Key — tornou o evento um tanto quanto disperso, sem um fio condutor que unisse e orientasse os anúncios das mais de vinte categorias a serem premiadas.
Sem os tradicionais monólogos e intervenções humorísticas, a cerimônia se transformou em uma acelerada concatenação de troféus, cujos momentos memoráveis se restringiram aos números musicais e discursos de agradecimento.
Se a abertura, embalada por um medley de sucessos do Queen — agora liderado pelo cantor Adam Lambert –, deixou a desejar com seu tom artificial de cover/tributo, a irretocável apresentação de “Shallow” — faixa vencedora do prêmio de Melhor Canção Original — por Lady Gaga e Bradley Cooper elevou o nível da noite e incendiou as redes sociais.
Altamente politizado, o discurso de Spike Lee ao receber a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado relembrou os tempos da escravidão e o genocídio dos indígenas nos Estados Unidos e convocou a classe artística a se mobilizar durante a eleição presidencial de 2020 e a “escolher o amor em lugar do ódio”.
Enquanto a fala de Olivia Colman, ao aceitar o Oscar de Melhor Atriz, conquistou a plateia com seu bom humor e espontaneidade, os agradecimentos da premiada equipe de cabelo e maquiagem de Vice (2018) entraram para os anais como um dos momentos mais atrapalhados e constrangedores da premiação.
Um certo desconforto também tomou conta do palco nos minutos finais da transmissão. Depois de anunciar a vitória de Green Book como Melhor Filme, Julia Roberts se viu obrigada a encerrar os trabalhos de modo um tanto quanto improvisado e se despediu rapidamente do público e dos convidados, mandando um inesperado cumprimento para seus filhos (?) e também para a mãe de Bradley Cooper (?!), que acompanhava o evento ao lado do ator, na primeira fila do Dolby Theatre.
Sem maiores gafes ou pontos altos, a 91ª edição do Oscar se deu num ritmo impessoal e protocolar que, mesmo involuntariamente, se mostrou adequado às escolhas igualmente burocráticas e complacentes dos membros da Academia. Em suma, uma noite que se revelou quase tão esquecível quanto o filme que consagrou.