Crítica | “Quem você pensa que sou” (2019), de Safy Nebbou

Filme estrelado por Juliette Binoche peca por não explorar com a devida profundidade os temas em que toca

Lucas Bandos Lourenço
3 min readMar 11, 2020

Apresentado durante a 69ª edição do Festival de Berlim, Quem você pensa que sou (2019) é o primeiro filme do francês Safy Nebbou a ganhar distribuição comercial no Brasil. Em sua sexta incursão na direção de longas-metragens, o cineasta de origem germano-argelina escalou ninguém menos que Juliette Binoche para estrelar esta adaptação do romance homônimo de Camille Laurens, ainda sem tradução para o português.

Na trama, Binoche interpreta Claire Millaud, uma bem-sucedida professora universitária, divorciada e já na casa dos 50 anos, que acaba de romper com Ludovic (Guillaume Gouix), um homem muito mais jovem, com quem ela manteve um tórrido e tempestuoso romance.

Inconformada com o término, Claire passa a perscrutar à distância a vida do ex-amante, utilizando-se, para tanto, de um perfil falso no Facebook, no qual se apresenta como “Clara Antunes”: uma atraente estagiária de moda, com pouco mais de duas décadas de vida.

Certa noite, em meio à sua navegação pela rede social, ela se depara com a figura de Alex (François Civil), fotógrafo e melhor amigo de Ludovic, com quem começa a trocar mensagens e telefonemas regularmente. Daí em diante, a protagonista decide engatar um relacionamento virtual com o rapaz, sempre encontrando subterfúgios para adiar ao máximo um encontro presencial entre os dois.

Contudo, a despeito do bom andamento desse improvável namoro às cegas, não demora para que a realidade volte a bater à porta de Claire, obrigando-a a lidar com mais uma separação, dessa vez acompanhada de uma circunstância tão trágica quanto imprevisível.

Os detalhes e desdobramentos de todo esse imbróglio amoroso chegam ao conhecimento do espectador à medida que são revisitados pela própria personagem, durante suas sessões com a psicoterapeuta Catherine (Nicole Garcia) — dona de atitudes que, apesar de eticamente questionáveis, serão determinantes para o desfecho da história.

Assim, embora se mostre eficiente em criar uma atmosfera de suspense que prende a atenção do espectador, o roteiro (coescrito pelo diretor, em parceria com Julie Peyr) por vezes resvala em situações pouco verossímeis e que, não raro, geram estranheza. Um bom exemplo é o descompasso que, a certa altura, se observa entre a inexplicável ingenuidade do jovem Alex e a surpreendente astúcia da cinquentona Claire frente ao modus operandi das mídias digitais, como que sugerindo uma despropositada inversão de papéis.

Já em seu terço final, o filme novamente derrapa, dessa vez ao apostar numa rocambolesca sequência de plot twists — que soam ora como clichês, ora como soluções apressadas — , deixando entrever uma tentativa quase que desesperada, por parte dos argumentistas, de conferir ao enredo uma pretensa sagacidade, que ele próprio não comporta.

Entretanto, se há um equívoco que se sobressai no longa de Nebbou, este consiste em sua recusa em abordar, com a devida profundidade, os relevantes temas em que toca: desde o etarismo e a sexualidade da mulher madura — tão bem explorados por Claire Denis no recente Deixe a luz do sol entrar (2017), estrelado pela mesma Juliette Binoche — , até a famigerada liquefação dos afetos mediada pela tecnologia.

Ao menos no que se refere a este último tópico, nos serve de consolo o fato de que, como bem sintetizou o crítico português Eurico de Barros, “ainda está para vir o realizador que faça um filme minimamente aceitável sobre as redes sociais e a forma como vieram mexer com as relações entre as pessoas”.

AVALIAÇÃO: ★★☆☆☆ (Regular)

FICHA TÉCNICA:

Quem você pensa que sou (Celle que vous croyez)

País/Ano: França e Bélgica/2019

Direção: Safy Nebbou

Roteiro: Safy Nebbou e Julie Peyr, a partir do romance homônimo de Camille Laurens

Duração: 101 minutos

Elenco: Juliette Binoche, Nicole Garcia, François Civil, Guillaume Gouix, Charles Berling, Jules Houplain

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Lucas Bandos Lourenço

Jornalista | Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP